…estranha, confusa, a sua alma estava estarrecida e não compreendia o cenário naquele momento. Aquela cama ali em baixo acolhia ainda o seu corpo mas parecia imóvel, colado ao leito que a acolheu anos e anos naquela cama do hospital. As pálpebras fechadas indicavam que os seus olhos estavam fechados, encerrados para a luz que transbordava através da janela par ao interior do quarto. Calma, como poderia ser possível? Olhou ao seu redor, rodopiou sobre si e viu que estava no oposto onde se encontrava o seu corpo, lá em baixo na cama. Ela pairava sobre o tecto do quarto e sabia que tinha chegado o momento, os últimos tempos tinham sido bem elucidativos sobre o desfecho da sua doença. Esperou, sabia que tinha de esperar, ela tinha-lhe dito para esperar.
A sensação foi igual, o sussurro de uma voz doce, meiga, parecendo uma melodia harmoniosa de uma flauta, invadiu-lhe os ouvidos levando essa mesma calma a todo o corpo. Chegou de novo a voz que a acalmou os últimos tempos, que falou com ela, que a ouviu, que sentiu a sua dor, de qualquer modo, respondia alto a uma voz não audível. Mais tarde essa mesma voz ensinou-lhe que lhe respondesse mentalmente, não precisaria de entoar da boca para fora, porque ela sentia-a, protegia-a e sabia tudo sobre ela. Nunca a vira.
— Chegou a hora. — Disse a voz posterior ao seu corpo imóvel, suspenso no ar.
— Mas não estava preparada. — Virou-se ao encontro da voz. Admiração, ao vira-se, viu o emissor das palavras dóceis durante os últimos tempos. — Estou a ver-te, agora posso ver-te?
— Sim, agora estás deste lado, do lado da beleza da vida, do lado em que vais poder admirar eternamente o que tanto se procura ali em baixo. — Apontou para a cama.
— Mas eu estou ali em baixo, o que me vão fazer?
— Tu estás aqui, o que ali está, o que ali fica, é o que pertence à Terra e na Terra ficará. — Deu-lhe a mão. — Vem, está na hora, a tua vida recomeça neste momento.
Deu-lhe a mão, a uma mão brilhante, a uma pele jovem que se estendia por todo o braço. À volta do seu corpo brilhava uma luz inspiradora, talvez a luz que tantas vezes ela pediu ali em baixo nas horas mais dolorosas. Despediu-se de si própria e subiu com aquele Anjo que a guardou e a apaziguou tantas vezes. Mas antes, sentiu que queria soltar as lágrimas que tantas vezes na hora da dor largou, mas não lhe saía nada dos olhos agora ali. Sentiu algo dentro de si, qualquer coisa a chamava a olhar de novo para si lá em baixo. Virou-se e viu que dos olhos ainda fechados, umas pequeninas lágrimas escorriam agora na cara. Antes que perguntasse, ouviu o seu Anjo.
— O teu corpo também se despediu de ti, agora já podemos ir. — Viajaram para parte incerta, para um lado que só o seu Anjo sabia.
Alguns descrevem o seu Anjo com feições masculinas, outros com feições femininas. Depende de quem o vê.
ResponderEliminarPara uns é jovem, outros o vêem idoso, por vezes parece uma criança.
Porém todos sabem: ele toma a forma que preciso for quando sua presença é necessária.
Assim ele pode parecer ser grande ou pequeno.
Pode tomar o formato do vento, da lua, das estrelas, do mar, do céu colorido ao entardecer, para promover paz, alegria, saúde ou a beleza que emociona.
Também pode assumir a voz da mãe que acalenta ou a voz de um amigo e até de um desconhecido nas horas de precisão.
Só precisa estar presente...
Naquele abraço, quando tudo parecia perdido.
Numa prece compartilhada.
Pode estar no sorriso que encanta, ou no pão repartido.
Ser a presença de alguém querido quando a doença visita.
Apresentar-se em forma de flor, de um arco-íris que surge colorindo o céu, de gotas de orvalho, de chuva que molha a terra seca, gerando vida na alma da Terra.
Sua essência pode gerar um livro, ou uma essência que cure e alivie.
Para alguns ele pode vir como o carinho de um cãozinho maroto, que o afaga quando o dia torna-se pesado e sombrio.
Ou nos sons de alegria vindos de um filho que te chama.
Um dia, após muitos encontros com este Anjo descobrimos que ele nos deixou algo. Quando descobrimos, surpresos, que somos nós, agora, quem sempre sorri, sempre abraça, sempre envolve e alivia a dor.
Sem discriminarmos, sem julgamentos, acolhendo todos, de uma forma gentil e delicada, mas ainda assim trazendo feições de força e poder irresistíveis.... que temos que ser nós os "Anjos na Terra" para aqueles que nos rodeiam, estão, só nos podemos sentir abençoados pelo toque na nossa mão, pela missão, pelo encontro, pela descoberta em nós... então, enquanto o nosso Anjo do Céu não nos vier buscar, que nós sejamos instrumento dele para que um dia, a passagem tenha um sabor tão suave quanto o descreveste...
E eu deixarei cair a minha lágrima de saudade...
um anjo