sexta-feira, 25 de junho de 2010

O Espantalho Palhotas.

Talvez tenha sido no Norte, no Centro, no Sul, ou quem sabe em qualquer lugar onde os pontos cardinais limitam o perímetro do nosso País, é onde se insere a personagem deste pequeno texto. Como ele existem vários mas este é único, este ganha vida para lá da função a que foi destinado e concebido, este nosso personagem é o “Espantalho de Portugal”.

Criado pela mão do homem e até baptizado por “Palhotas”, não fugindo ao nome, ele era concebido por palha, que o criador moldou e o enfeitou horrivelmente com os restos de trapos, de vestimentas que seriam mais tarde jogadas fora. Foram então doadas ao nosso “Palhotas” como se de um mendigo se tratasse. Com um chapéu roto que lhe cobria a cabeça seca de ideias, seca como a palha que a formava, o nosso “Palhotas” com os braços estendidos igual ao Cristo Rei transmitia no entanto um sentimento diferente; ele não apaziguava as criaturas voantes que por ali passavam. Ele afugentava os pássaros mesmo que isso fosse contra o que ele sentia na hora de tornar-se também, um ser vivo. Os dias foram passando.

Numa noite como tantas…

— Como estás, Palhotas? — Perguntou o Pardal mais velho dos campos, enquanto pousava num dos braços dele.
— Boa noite, meu amigo. Cá estou de novo para mais uma noite de descanso, depois de ter cumprido a função diária. — As palavras eram sempre as mesmas; amargas e tristes.
— Eles continuam a ter medo de ti, não é? Por mais que eu te queira ajudar eles já não me ouvem. Hoje as minhas palavras já não são retóricas para eles. Não sei se o Mundo mudou ou se a maneira de eu transmitir já não é igual. — Chilreou o Pardal à cabeça de palha ali ao seu lado.
— Não compreendo porque tenho de fazer o que não sinto e o que acho que está errado. Se ao menos eles me ouvissem, se pelo menos as minhas palavras inaudíveis soassem ao vento, talvez pudesse gritar aquilo que realmente eu sou. — Desabafou o Palhotas de novo como tantas noites repetitivas.
— E o que és tu palhotas? És um boneco de palha a que os homens chamam Espantalho e serves para afugentar-nos. — Pardal não o deixou falar e continuou. — Mas na verdade da palavra, és um monte de palha cheio de sentimentos.
— Se ao menos eu fosse humano, como o homem que me criou e anda por aí à minha volta. — Os olhos enormes de botão ficaram virados no mesmo sentido. — Podia tirar estas vestes sujas e rasgadas e fazer ver aos teus que sou bom.
— Não precisas de mudar nada e nem provar nada. Eu estou aqui ao teu lado. Eu sou teu amigo e isso chega-te. Teres um amigo que te acompanha durante as 4 estações do ano, durante as tuas renovações de palha nova, é isso que a vida tem de bom. Amizade.
— Mas só te tenho a ti. — Disse o Palhotas.
— Nunca vejas a amizade pela quantidade mas sim pela qualidade. Estarei sempre aqui ao teu lado enquanto o quiseres, enquanto nada nos separe…

Retirando-me do Mundo da Fantasia e assentando os pés no Mundo Real, quantos espantalhos não existem neste Portugal? Quantos dias são passados a desempenharmos o que não gostamos e pior; não estamos habilitados para tal? Quantas noites, depois de cairmos no real, não damos a perguntar-nos por respostas que não sabemos responder? Quantas vezes não queriam mudar o que somos para sermos umas pessoas melhores? Mas como? Será que têm razão? Será que por sermos humanos nos torna superiores? Se sim também nos torna mais responsáveis, coisa que não se tem visto.

Ser Espantalho de palha seca não me preocupa, mas preocupa-me ser moldado por outros com o mesmo nome. Bom, o que vale é que não passa tudo de um “Fardo de Palha…”

1 comentário:

  1. Nunca poderias nem poderás considerar-te um "espantalho" quando na tua Alma corre a vontade de te libertares e construires mais do que todos os "burros" que te olham e invejam como se fosses uma "fardo de palha"...
    Deixa que essa gente pequenina cresça a seu tempo, ou então não cresça de todo e aceita o teu "único" Amigo como o teu maior tesouro ainda que nem todos os dias consigas ser melhor do que contavas!

    Eu não espero de ti a perfeição...
    Espero de ti a tua Amizade e a alegria de seres mesmo quem és!

    um anjo

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